quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O Significado Mistico da Mezuzá.


Por Alexander Poltorak – chabad.org
Publicado em B’Or Ha Torah Journal: Ciência, arte e vida moderna sob a luz da Torá

A mezuzá é uma das poucas mitsvot (Mandamentos Divinos) para as quais a Torá declara a recompensa. Neste caso, a recompensa é longa vida para a pessoa e seus filhos: "E as inscreverá sobre os batentes (mezuzot) de sua casa e sobre os seus portões, para que teus dias e os dias de teus filhos sejam prolongados sobre a terra que o Eterno prometeu dar a teus pais enquanto os céus estiverem acima da terra." (Devarim 11:20-21).

Segundo as Tosafot e o Shulchan Aruch, a função principal da mezuzá é proteger a casa do mal. Devido a este atributo, a mezuzá tem sido chamada de "cota de armas na cavalaria de D’us". Para começar a entender o mecanismo deste efeito da mezuzá, devemos primeiro nos alongar sobre o conceito do mal em si.

O mal foi criado ex nihilo, assim como o restante da Criação. Não foi criado em prol de si mesmo, mas apenas como um instrumento de livre arbítrio. É tolerado até o ponto em que serve a este propósito.

Para permitir a existência de seres que não seriam absorvidos e anulados na Fonte, D’us escolheu ocultar e retirar Sua luz para criar, por assim dizer, um "vácuo" onde os seres criados sentiriam sua existência independente. Isso, de maneira bastante simplificada, é o conceito fundamental de tzimtzum (a ocultação e contração da luz Divina primordial, que é a pedra fundamental da Cabalá Luriânica). O conceito de tzimtzum demonstra como uma criação monística pode levar a um dualismo aparente.


A ausência de luz, obviamente, abre uma possibilidade para a escuridão – ou mal. Nossa tarefa é descobrir o esconderijo de D’us, por trás de um véu de escuridão.

A ausência de luz, obviamente, abre uma possibilidade para a escuridão – ou mal. Nossa tarefa é descobrir o esconderijo de D’us, por trás de um véu de escuridão. O mestre chassídico Rabi DovBer de Mezeritch certa vez encontrou seu filho pequeno chorando enquanto brincava de esconde-esconde. Ele tinha se escondido, mas nenhuma das crianças o estava procurando. Rabi DovBer começou a chorar também, e explicou ao filho que nosso Pai Celestial também está Se escondendo de Seus filhos, como está escrito: "Tu és um D’us que Se esconde" (Yeshayáhu 45:15), para que eles possam procurá-Lo – mas ninguém procura!

O mal, por definição, é aquilo que oculta a verdadeira fonte da existência, o Criador. O próprio termo para mal na Cabalá, kelipá, significa "concha" ou "casca". É algo que não tem valor independente, exceto servir como uma cobertura para a fruta.

O mal foi criado para nos proporcionar a liberdade de escolha, que somente é possível onde há uma alternativa disponível para o bem. Se não houvesse a concha externa ocultando a verdade, seríamos obrigados a obedecer à vontade Divina. Se nos fosse negado o livre arbítrio, também nos seria negada a recompensa.

De modo contrário, sem livre arbítrio não existe o mal. Um animal matando sua presa para se alimentar não pode ser acusado de cometer uma maldade, porque ele não tem escolha a esse respeito. Ele foi criado por D’us com um instinto predatório e sem vontade própria. Da mesma forma, os anjos não podem ser considerados bons, porque foram criados para assim proceder. Somente os seres humanos possuem o livre arbítrio, e podem elevar-se acima dos anjos ou cair abaixo dos animais, dependendo das opções que fizerem.

Assim, vemos que sem o mal não há o livre arbítrio, e sem o livre arbítrio não há bem ou mal. O mal proporciona a prática do bem, no mesmo sentido em que um raio de luz pode ser visto somente num céu nublado.

Uma vez que tenhamos entendido que o mal deve existir e que ele desempenha um papel positivo no esquema da Criação, somos confrontados com outro problema: se o mal é a casca ou a ocultação da luz Divina, de onde vem sua energia? O que sustenta a sua existência? A resposta é, obviamente, o mesmo Criador que dá vida a tudo. Porém, enquanto o âmbito da santidade recebe o sustento de D’us em abundância, o apenas tolerado âmbito do mal está relegado a alimentar-se de "sobras".

A Cabalá chama o mal, sitra achra, de "o outro lado". D’us permite que uma quantidade mínima de energia vivificante vaze para o "outro lado" para manter sua existência. Uma grande quantidade dessa energia o mata completamente. Como dizem os Sábios da Cabalá, "A luz brilhante cega os olhos das forças do mal". O intelecto, especialmente a sabedoria (chamada chochmá na Cabalá), é a luz brilhante que dispersa as trevas.

É por isso que o mal deve sempre permanecer na escuridão, alimentando-se daquilo que vaza pelos pequenos buracos no âmbito da santidade. A Cabalá chama de buraco ou abertura de rá (mal) porque permite que vestígios de santidade vazem, fornecendo ao "outro lado" a sua força vital.


O mal foi criado para nos proporcionar a liberdade de escolha, que somente é possível onde há uma alternativa disponível para o bem.

Agora podemos entender como a mezuzá protege a casa. Um lar judaico, que é um Templo em miniatura, é um receptáculo de santidade. Uma porta abrindo-se para um mundo estranho e muitas vezes hostil, para o "outro lado", é portanto chamada de mal. O Zôhar nos diz que as forças do mal pairam perto da porta, porque é ali que recebem sua nutrição. Isso é semelhante a bactérias e fungos patogênicos florescendo em locais escuros.
Contendo a sabedoria do monoteísmo absoluto, "Ouve, ó Israel, o Eterno é nosso D’us, o Eterno é Um", a mezuzá é o raio de luz brilhante que cega as forças do mal, negando-lhes o direito de entrada e as dispersando.

Nisso consiste o segredo da mezuzá.

Tempo, Espaço e Alma

Uma explicação adicional do porquê da mezuzá ser afixada aos portões da casa pode ser encontrada em uma das leis do Shabat.

Os portões de uma casa separam reshut ha’ycahid (o domínio privado) do reshut ha’rabim (domínio público). No Shabat é proibido carregar qualquer objeto de um domínio para outro. A Cabalá associa reshut ha’ycahid (literalmente, "domínio do um") com o Único Mestre do Universo. Reshut ha’rabim ("o domínio de muitos") representa o domínio do mal – a multiplicidade do mundo físico que disfarça e esconde a unidade subjacente da Criação.

Durante os primeiros seis dias da semana, devemos lidar com o mundo multifacetado, tentando refiná-lo e consertá-lo, para revelar sua unidade interior. No sétimo dia, devemos nos abster de todas as atividades criativas para observar a santidade do dia. A palavra hebraica para santidade, Codesh, significa literalmente "separado". Portanto, observamos a santidade do Shabat honrando aquela separação e não carregando um objeto de um domínio para outro.

A obra cabalista Sefer Yetzirá afirma que a Criação inteira existe em três dimensões: tempo, espaço e alma. A tarefa básica de um judeu é revelar a santidade oculta em cada uma dessas dimensões. D’us tornou isso mais fácil para nós dando início ao processo. Ele santificou o sétimo dia, um ponto de santidade no tempo. Ele santificou a Terra Santa de Israel, Jerusalém e o Monte do Templo como áreas de santidade sempre crescentes no espaço. Ele nos deu uma centelha sagrada, "uma parte do D’us acima" para nossa alma. Utilizando todos os itens acima, devemos santificar o restante da Criação revelando sua unidade oculta.

A mezuzá combina a santidade de todas as três dimensões. É afixada no espaço do batente, a entrada da casa. Como a entrada marca a transição de um domínio para outro, a mezuzá simboliza movimento. Zuz, o radical da palavra mezuzá, significa "mover". O movimento é a essência do tempo. As palavras shaná (ano) e shniyá (segundo) vêm da palavra shinui (mudança). Todas estas palavras denotam mudança ou movimento. Portanto, a mezuzá assinala a santidade no tempo.

Por outro lado, a lei exige que a mezuzá seja afixada somente a uma estrutura permanente. A essência do espaço, em oposição ao tempo, é a imobilidade. A imobilidade da mezuzá a conecta ao conceito de espaço. Além disso, muitas das leis da mezuzá lidam com sua posição no espaço, i.e., onde ela deve ser afixada, em qual lado do batente, a que altura e ângulo. Assim, a mezuzá leva santidade ao conceito de espaço.

Finalmente, a mezuzá, que protege as almas do povo judeu, está conectada ao conceito de alma. No texto do rolo da mezuzá está escrito: "Amarás ao Eterno teu D’us… com toda tua alma."

Portanto, vemos como a mezuzá une e santifica as três dimensões de tempo, espaço e alma. A idéia da mezuzá unificando e santificando o tempo, espaço e alma é expressa no último versículo inscrito na própria mezuzá.

"… que tua [alma] dias [tempo] e os dias [tempo] de teus filhos [alma] sejam prolongados sobre a terra [espaço] que o Eterno prometeu dar aos teus pais [alma] durante o [tempo] em que os céus [espaço] estiverem acima da terra."

D’us concedeu ao Seu povo escolhido sinais deste relacionamento especial. O Shabat é um sinal no tempo. A mezuzá é um sinal no espaço. O brit milá (circuncisão) é um sinal do nível da alma. A conexão entre a mezuzá e a circuncisão pode ser observada a partir do imperativo em Yechezkel 16:6 e recitada na cerimônia do brit milá: "em teu sangue, vive." O sangue aparece na Torá em Shemot 12:22 onde a palavra "mezuzá" é mencionada pela primeira vez. Isto está no contexto do Mandamento de assinalar os batentes dos lares judaicos com sangue do sacrifício de Pêssach na época do Êxodus. Além disso, o Zôhar declara que "o sangue era de dois tipos, aquele da circuncisão e o do cordeiro de Pêsssach." O Zôhar compara o local da circuncisão com a "porta do corpo". Os dois conceitos Também estão justapostos em Bereshit 18:1, descrevendo Avraham: "… ele sentou-se [abatido pela sua circuncisão] à porta de sua tenda."

Assim, o Zôhar nos diz:

Feliz é a porção de Israel para o povo judeu saber que eles são os filhos do Sagrado Rei, pois todos levam Seu selo. Eles estão marcados no corpo com o sinal sagrado [brit milá]; suas vestes levam o sinal de uma mitsvá [do tsitsit – franjas]; suas cabeças estão estampadas com os compartimentos de tefilin [filactérios] com o nome do seu Amo; suas mãos estão estampadas com as correias da santidade [correias do tefilin de mão]… e em suas casas eles portam o sinal da mezuzá em seus batentes. Assim, de todas as maneiras, eles estão marcados como os filhos do Mais Alto dos Reis.

O Talmud declara que a menorá de Chanucá deve ser colocada num batente oposto à mezuzá. Na filosofia chassídica, o azeite simboliza a nação judaica. Assim como o azeite não se mistura com outros líquidos, também os judeus não se misturam com as outras nações. Samuel Heilman relata um discurso feito pelo Belzer Rebe sobre este tema:

"O óleo não se mistura com qualquer outro líquido. Não importa o quanto se tente misturar o óleo com outros líquidos, ele sempre permanece separado.

" O óleo", continua ele, "representa o povo judeu que, não importa o quanto alguns se esforcem para misturá-lo com outros, sempre permanecerá separado, como o óleo. A luz… nos separa das trevas. Como a luz simbolicamente separa o sagrado do profano, assim também a mezuzá sobre nossas portas nos separa e protégé. As luzes de Chanucá e a mezuzá simbolizam separação, e assim protegem o povo judeu de influências estranhas e da assimilação "que ameaçam nos fazer desaparecer". Ambos são "… uma lâmpada sobre os meus pés e uma luz no meu caminho" (Tehilim 119:105).

Conclusão

Agora todas as peças do quebra-cabeças se encaixam. Na dimensão do tempo, um judeu não pode carregar um objeto de um domínioo para outro no Shabat porque isso profanaria a santidade – i.e., linhas de separação – do dia. Ao nível da alma, um judeu está proibido de contrair casamento misto, que cruzaria a linha de separação entre o povo sagrado escolhido e o restante da humanidade, entre "uma nação em D’us" e muitas nações. Na dimensão do espaço, a mezuzá simboliza a separação – tornar sagrado – o domínio de um do domínio de muitos, e esta demarcação não deve ser violada trazendo idéias, costumes e valores diferentes a um lar judaico.
Assim como o Shabat é um santuário no tempo e uma alma judaica é um santuário em miniatura na dimensão da alma, a mezuzá assinala o lar judaico como um santuário em miniatura na dimensão do espaço. Ao fazer do lar um verdadeiro santuário de Divindade, um judeu não apenas cumpre sua missão na vida, mas também ajuda a realizar o propósito fundamental da Criação – dar a D’us "uma morada nos mundos inferiores".

A mezuzá não apenas fica na fronteira ente os domínios do Um e de muitos, como também aponta para dentro, na direção do domínio do Um. Isso é para nos ensinar que enquanto D’us criou nosso mundo multifacetado de Um em muitos, nosso propósito é elevar o mundo físico para trazê-lo de volta, por assim dizer, à unidade do Criador. Este processo contrário de levar muitos de volta a Um é a direção na qual a seta da mezuzá nos aponta.

Na dimensão do espaço, a mezuzá aponta para o domínio do Único, singular, Mestre do Universo; na dimensão da alma a mezuzá aponta para nossa singular centelha Divina; e na dimensão do tempo, a mezuzá aponta para a era de Moshiach, quando a unidade de D’us será revelada – que isso aconteça imediatamente!

Nossos Sábios disseram: "Aquele que é observante [do preceito da] mezuzá merecerá uma bela casa." Que possamos logo ver pelo mérito desta grande mitsvá a reconstrução da ‘Casa mais bela e sagrada" de todas, o Templo de Jerusalém, como está escrito, "Eu morarei na Casa do Senhor todos os dias da minha vida/Para contemplar a beleza de D’us e para meditar em Seu Santuário" (Tehilim 27:4).

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